
Mickey7 é um romance de ficção científica escrito por Edward Ashton e publicado em 2022. A história se passa em um futuro onde a humanidade expandiu seus domínios pelo espaço e começou a colonizar outros planetas, enfrentando ambientes hostis e desafios tecnológicos e morais. O protagonista da história é Mickey Barnes, um dispensável — uma função peculiar dentro de missões de colonização.
O que é um Dispensável?
Na sociedade futurista de Mickey7, os Dispensáveis são humanos contratados para executar tarefas extremamente perigosas que quase certamente levam à morte — como explorar áreas tóxicos, testar ambientes instáveis ou servir de isca para criaturas hostis. O diferencial dessa função é que, após a morte, o dispensável é clonado e transferido para um novo corpo, mantendo as memórias anteriores por meio de uma tecnologia de backup cerebral. Mickey é o sétimo clone de si mesmo, daí o nome Mickey7.
Mickey vive em Niflheim, um planeta gélido, inóspito e remoto, onde a colônia humana tenta estabelecer uma base viável. Ele já morreu seis vezes, de formas terríveis e traumáticas. Apesar de ser tratado com certo desprezo pela maioria dos colonos, afinal, ele é tecnicamente descartável e muitas vezes não visto como ser humano, Mickey ainda mantém sua humanidade, suas emoções, medos e desejos — e é justamente isso que faz dele um personagem tão cativante.
O enredo se intensifica quando, após mais uma missão suicida, Mickey sofre um acidente, é dado como morto e um novo clone, Mickey8, é criado. No entanto, contra todas as probabilidades, Mickey7 sobrevive — e agora existem dois Mickeys ativos, algo considerado um crime contra a Associação. A coexistência de dois clones da mesma pessoa desafia não apenas as normas éticas da colônia, mas também coloca ambos em risco de eliminação por autoridades que veem isso como uma ameaça à ordem e ao equilíbrio tecnológico.
Os dois Mickeys precisam esconder a existência um do outro enquanto tentam lidar com a situação precária da colônia em Niflheim. Eles dividem experiências, discutem filosofia pessoal, debatem identidade e questionam se ainda são a mesma pessoa ou se estão divergindo.
Enquanto tenta sobreviver e entender seu papel, Mickey7 entra em conflito com o comandante Marshall, um líder autoritário e implacável que prioriza a segurança da missão acima de tudo. Além disso, há Nasha, a namorada de Mickey, que também se vê em um dilema ao perceber que há dois Mickeys — o que coloca em xeque sua relação com ambos.
A colônia enfrenta desafios crescentes, como a escassez de recursos, problemas estruturais e a descoberta de formas de vida sencientes nativas de Niflheim, que não estão dispostas a cooperar com os humanos. Em meio a tudo isso, Mickey7 precisa decidir até que ponto ele está disposto a ir para proteger a si mesmo, seu clone e o futuro da colônia.
Mickey7 não é apenas uma aventura de ficção científica, mas também um mergulho em temas como identidade, consciência, ética da clonagem, existencialismo e o valor da vida humana. O dilema de existir ao lado de uma cópia exata de si mesmo levanta questões sobre o que realmente define uma pessoa — suas memórias? Suas decisões? Sua alma?
Além disso, o livro faz críticas sutis às estruturas autoritárias, à desumanização em nome do progresso e à maneira como algumas vidas são consideradas mais descartáveis do que outras — mesmo em um futuro tecnologicamente avançado.
A narrativa de Edward Ashton é ágil, bem-humorada e profundamente reflexiva. Ele intercala os eventos presentes com flashbacks das mortes anteriores de Mickey, revelando, aos poucos, sua evolução emocional e intelectual. O tom do livro mistura sátira, filosofia e ação, criando um equilíbrio entre entretenimento e provocação intelectual.
Filosofia e Identidade em “Mickey7”: o Paradoxo do Navio de Teseu

Mickey7 é muito mais do que uma ficção científica sobre clonagem em planetas hostis. Ele mergulha profundamente em questões filosóficas sobre identidade, consciência e o valor intrínseco da existência humana — especialmente a partir do momento em que Mickey7 e Mickey8 coexistem simultaneamente, sendo tecnicamente a “mesma pessoa”.
Essa situação provoca um dos dilemas filosóficos mais antigos e discutidos da história: o paradoxo do Navio de Teseu.
O paradoxo do Navio de Teseu
O Navio de Teseu é um experimento mental proposto pelos gregos antigos: imagine um navio cujas partes são substituídas uma a uma ao longo do tempo. Após todas as peças originais serem trocadas, o navio ainda é o mesmo? E se todas as peças antigas forem reunidas e montadas novamente — qual dos dois seria o verdadeiro Navio de Teseu?
Esse dilema explora a noção de identidade ao longo do tempo e a questão de se algo (ou alguém) ainda é o mesmo, mesmo após mudanças graduais — ou, no caso de Mickey7, mudanças drásticas.
Aplicando ao caso de Mickey
Mickey é um ser replicado. Cada vez que ele morre, suas memórias são transferidas para um novo corpo, idêntico ao anterior. Mas o corpo é novo. A consciência que desperta é baseada num backup — congelado num ponto do tempo. Em termos funcionais, ele continua, mas:
- Ele é o mesmo Mickey que morreu?
- Ou é apenas uma cópia que pensa que é Mickey?
- E o que acontece quando o original, dado como morto, reaparece?
A coexistência de Mickey7 e Mickey8 encarna esse paradoxo em sua forma mais literal: dois corpos, com memórias idênticas, vontades próprias, sentimentos divergentes — mas ambos acreditando serem o “verdadeiro” Mickey.
A obra, então, levanta uma questão provocativa: a identidade é única e contínua, ou pode ser compartilhada, duplicada, fraturada?
Consciência e alma: uma questão sem resposta
Ao longo da narrativa, Mickey reflete sobre a própria existência, duvida do processo de replicação e teme não ser mais “ele mesmo”. Isso coloca o leitor diante de um dilema ético e existencial: o que torna uma pessoa única? Seria a soma de suas memórias? Sua continuidade corporal? Seu senso de “eu”?
A ideia de clonagem e transferência de consciência em Mickey7 também dialoga com discussões filosóficas contemporâneas sobre transumanismo e pós-humanidade, onde se estuda a possibilidade de transcender o corpo biológico, transferir a mente para máquinas, e continuar vivendo indefinidamente.
Nesse sentido, Mickey é uma metáfora moderna do Navio de Teseu — um ser que continua existindo mesmo após ser “reconstruído” repetidamente. Mas a presença simultânea de duas versões dele leva o paradoxo a outro nível: e se os dois navios existirem ao mesmo tempo? Qual é o verdadeiro? Ambos? Nenhum?
O que Mickey7 nos faz questionar
O livro, então, nos convida a refletir sobre:
- A natureza da identidade pessoal: somos definidos por nossas memórias? Nossas escolhas? Nossos corpos?
- O valor da vida quando ela pode ser replicada indefinidamente.
- Se a consciência pode ser transferida, há uma alma imaterial que permanece?
- A ética da clonagem e da substituição de pessoas em contextos extremos.
5 Livros para Quem Gostou de Mickey7

Se você se envolveu com os dilemas existenciais, o humor ácido e a ambientação futurista de Mickey7, aqui estão cinco livros de ficção científica que abordam temáticas parecidas — como clonagem, identidade, exploração espacial e o que nos torna humanos.
1. Eu, Robô – Isaac Asimov
Coletânea de contos que explora as interações entre humanos e robôs, à luz das Três Leis da Robótica. Embora não trate de clonagem, Asimov mergulha nas complexidades da consciência artificial, ética tecnológica e o papel da máquina no futuro da humanidade — temas próximos às discussões de identidade em Mickey7.
2. O Fim da Infância – Arthur C. Clarke
Neste clássico da ficção científica, a Terra é invadida pacificamente por uma raça alienígena conhecida como Senhores Supremos, que traz avanços tecnológicos e paz global. Com o tempo, no entanto, a humanidade passa por uma transformação radical. O livro questiona o destino da espécie humana e nossa evolução, tocando em temas de transcendência e coletividade.
3. O Homem Duplicado – José Saramago
Um professor descobre que existe um homem idêntico a ele em todos os detalhes. A partir disso, inicia uma investigação obsessiva sobre quem é esse outro. O livro aprofunda questões filosóficas sobre identidade, individualidade e o medo de perder o “eu”. Uma leitura mais introspectiva, mas fortemente conectada com os temas de duplicação e identidade vistos em Mickey7.
4. The Martian (Perdido em Marte) – Andy Weir
Embora o foco aqui seja sobrevivência e ciência em um planeta inóspito, o humor do protagonista, o estilo direto e os desafios da exploração planetária têm muito em comum com o clima de Mickey7. Mark Watney, preso em Marte após ser dado como morto, precisa usar seu conhecimento para sobreviver e se comunicar com a Terra.
5. Altered Carbon – Richard K. Morgan
Num futuro onde a consciência humana pode ser armazenada e transferida entre corpos, um ex-soldado é contratado para investigar um suposto suicídio. O livro mergulha fundo nas consequências éticas e filosóficas da imortalidade por transferência de mente — algo diretamente relacionado à clonagem e replicação de Mickey7.
5 Curiosidades Sobre o Livro Mickey7

1. Foi adaptado para o cinema por Bong Joon-ho
O livro chamou a atenção de Bong Joon-ho (diretor de Parasita), que iniciou a produção de uma adaptação cinematográfica baseada em Mickey7, estrelada por Robert Pattinson. A adaptação será parcialmente inspirada no livro, mas com liberdade criativa — inclusive mudando o título para Mickey17, sugerindo possíveis alterações no enredo.
2. O autor mistura sci-fi com humor existencial
Diferente de muitos romances de ficção científica com tons sombrios, Edward Ashton escreveu Mickey7 com um tom irônico e bem-humorado, mesmo tratando de temas sérios como morte, identidade e sacrifício. A ideia era criar uma narrativa mais acessível e divertida sem perder a profundidade filosófica.
3. A ideia surgiu de forma casual
Segundo entrevistas, Ashton teve a ideia de Mickey7 ao pensar sobre como uma colônia espacial trataria funções perigosas que poderiam matar repetidamente um mesmo indivíduo. Daí nasceu o conceito do “Expendable” — alguém substituível, mas com consciência própria.
4. Tem uma continuação: Antimatter Blues
O sucesso do primeiro livro levou à publicação da sequência, Antimatter Blues, lançada em 2023. A nova história continua acompanhando Mickey após os eventos do primeiro livro, agora lidando com dilemas ainda maiores relacionados à sobrevivência da colônia.
5. Faz referência a clássicos da ficção científica
Mickey7 dialoga de forma indireta com diversas obras do gênero, como O Homem Duplicado de Saramago, Blade Runner (com o tema da identidade e do que significa ser humano) e até Star Trek com a ideia de replicação de tripulantes e ética em missões espaciais.
Conclusão

Mickey7 é muito mais do que um romance de ficção científica ambientado em uma colônia espacial. Ao acompanhar um protagonista que morre e é replicado inúmeras vezes, somos levados a refletir sobre a essência da identidade humana, o valor da vida e o que nos torna únicos. A narrativa, que mescla humor, crítica social e filosofia, consegue entreter ao mesmo tempo em que provoca questões profundas — como o paradoxo do Navio de Teseu, que nos faz perguntar: se algo é substituído repetidamente, ele ainda é o mesmo?
Edward Ashton entrega uma obra instigante, divertida e cheia de camadas, que dialoga com leitores fãs de ficção científica clássica e contemporânea. Mickey7 também nos convida a pensar sobre o futuro da humanidade, a ética das tecnologias emergentes e o preço da sobrevivência em um mundo onde a morte perdeu o seu significado.
Se você gosta de livros que te fazem rir, pensar e imaginar futuros (possíveis ou não), Mickey7 é uma leitura indispensável.